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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Meus Escritos - Namoradinha

betomelodia.blogspot.com.br

Infância. Bons tempos aqueles em minha cidade natal, Rio de Janeiro,
bairro Tijuca. Aquelas "peladas" nas tardes, tendo como gramado os
paralelepípedos da Rua Delgado de Carvalho e como "gol's", alguns
paralelepípedos empilhados. O cinema ao ar livre nas noites quentes,
com uma enorme tela de lençóis em um edifício e o projetor na varanda
do primeiro andar do meu prédio, eram divertidos encontros semanais
dos moradores da calma rua em que eu morei.

onde passei parte de minha infância, com meus avós maternos

Nas manhãs? Colégio de Aplicação, depois a brincadeira preferida de todos
os meninos, correremos o mais rápido possível sobre os muros que separavam
os edifícios, uma prova de coragem e habilidade. Proezas que nunca tiveram
consequências mais graves que arranhões, orgulhos feridos e alguns castigos.

Houve um tempo de racionamento de energia elétrica, com "blackout's"
noturnos em rodízio por todos os bairros. Quando o racionamento que
durava duas horas era feito, na escuridão nós pegávamos escondidos algumas
lanternas e palitos para dentes em nossas casas. Assim que o corte começava,
entravamos nos edifícios e andar por andar colocávamos palitos nos
interruptores das campainhas, mantendo-os acionados. O resultado era ótimo.
Quando a energia voltava, uma verdadeira "sinfonia" anunciava a volta da energia.

Mas aos poucos a infância foi ficando para trás e novos sonhos, novos medos,
novas ansiedades e novos "brinquedos" começam a ser desvendados e
explorados, com muitas incertezas: "Será que minha calça tá legal? E meu
cabelo? Tá bem penteado? Será que ela olhou para mim ou foi para outro?
Será que meu perfume vai agradar? Será?"



Os novos interesses. Chega um momento em que, como acima escrevi,
as brincadeiras começam a perder a graça e a vontade de ter uma
namorada, deixa de ser apenas uma vontade transformando-se em um 
forte desejo. Aconteceu. Depois de troca de olhares, um misto de vergonha
e curiosidade tomava conta dos dois. Tremendo, ele a pediu em namoro.
 Ela afastou-se e foi cochichar com as amigas. Todas olhavam para ele,
talvez opinando democraticamente, analisando a situação e a atitude que
ela deveria tomar a seu respeito. Demorou mas, veio a resposta: 
"Tá, eu aceito namorar com você."

O problema. "E agora? O que um namorado faz? Ai, meu Deus!
Vou até ela e beijo seu rosto? Convido para a matinê lá no Cine Metro?
Se ela aceitar e minha mesada não der? Ah! Eu vou pegar na mão dela,
vou sim! Abraço e beijo ou só abraço? E se eu abraçar e "ele" ficar
grande? E se ela ver "ele" grande?Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas
ante a novidade. Agora ele tinha uma namorada mas, não decidia,
não resolvia, não sabia o que fazer! E não fez nada.

A condição. Depois do "sim", foram para a praça Saens Peña, sentaram
em frente ao Bob's, trêmulos deram as mãos e planejaram o domingo:
matinê no Cine Metro e após o filme, um gostoso Milk-Shake.
Programa e hora marcada, a passos lentos a levou para casa, mas só até a
esquina. Despediram-se com ela trêmula beijando suavemente o seu rosto
Um beijo! Pisando em nuvens ele foi para seu quarto e naquela noite, mal
conseguiu dormir de tão ansioso.

O domingo. Pela manhã não foi brincar com os amigos por que tinha
que se preparar para o encontro à tarde. E aí o telefone tocou: era ela!
"Com certeza vai desmarcar tudo!" pensou ele. Mas não, ela confirmou
que eles iriam ao cinema, sim, mas com uma condição, para ele a pior
das condições: o pai dela só a deixaria ir depois de conhecê-lo. "E agora?
Acabo com tudo? O que eu faço? Calma, tem ainda aquela brincadeira
legal, a do Tarzan, com a turma, lá naquelas árvores na subida do morro".
Mas quando se deu conta, já havia respondido: "Tá, amanhã às duas
da tarde tô lá na sua casa." Ficou com dor de barriga.

Os preparativos. Logo após o almoço começou a vestir-se com o que
achou melhor para o encontro: sapatos da moda, calça "Lee" bem
amarrotada, camisa social branca com as mangas compridas bem
dobradas e uns dois números maior que o seu e para fora da calça,
o topete do Elvis Presley, o perfume e pronto! Lá foi ele. Mas parecia
que ia para a morte. Apavorado. Dinheiro no bolso, ziper da calça
bem fechado e a droga da espinha bem no nariz, só para atrapalhar.

O medo. Chegou no horário marcado, parou na calçada,
fez a que talvez seria sua última oração e tremendo mas decidido,
abriu o pequeno portão dirigindo-se para a varanda onde ficava
o botão da campainha. Suando frio, ouvia vozes e risadas no interior
da casa. Paralisado pensava que talvez estivessem falando dele, rindo
de sua enorme espinha no nariz. Corajosamente fechou os olhos,
esticou o dedo e tocou a campainha pensando: "Sem volta: agora é
enfrentar o pai dela." Aguardou atenderem.

O imprevisto. Cabeça baixa, andava de um lado para o outro na varanda
quando alguma coisa bateu em sua nuca, escorregou para dentro
de sua camisa pelo largo colarinho e grudou em sua costa. Era gelada,
grudenta e se mexia! Tentando tirar a tal coisa, girava sobre si e
talvez, eu disse talvez, gritasse. Talvez? Não, ele aos berros gritava.
Mas como não conseguia alcançar a coisa, começou a desabotoar
rapidamente a camisa. Vocês já tentaram tirar uma camisa social
bem rápido, daquelas que tem pequenos botões muito próximos uns
aos outros? E aos treze anos? Aguardando o pai da futura namorada
com uma coisa gelada andando nas costas?

a lagartixa que caiu do teto

O fim do romance. Bem, na pressa, a camisa foi rasgada aos pulos
e berros. No chão, junto aos pedaços da camisa a responsável por tudo:
uma imensa lagartixa! Mais um grande palavrão bem "cabeludo",
ofensivo à mãe da dita cuja, um desequilibrado chute que não a atingiu
e ele viu: a porta da sala, agora aberta, emoldurava um pai boquiaberto,
uma mãe tapando os ouvidos e uma linda menina com os olhos bem
arregalados. Todos horrorizados com a cena. Mudos. Paralisados.
Então, em meio ao silêncio reinante ele pegou os destroços de sua
camisa preferida no chão, tentou mais um chute na lagartixa, errou,
olhou para os três ainda estáticos e educadamente, com a voz um tanto
fina e trêmula, disse: "Boa tarde. Muito prazer. Tchau." 

A retirada. Reunindo o que sobrou de sua dignidade, a camisa
rasgada, deu meia volta e com passos firmes e decididos atravessou
o jardim em direção ao portão, indo para casa trocar a camisa. A matinê
ia começar logo.  E pelo caminho foi pensando: "Até que a brincadeira de
Tarzan não é tão ruim. Eu sou muito bom no grito. Só preciso procurar
uma menina que queira ser a Jane. Ah, e nunca mais vou passar
pela Haddock Lobo à pé. Merda de lagartixa." 

carlos miranda (betomelodia) 

imagens: arquivo pessoal - texto: carlos miranda (betomelodia)
base das pesquisas: arquivo pessoal / meus escritos

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